O governo dos Estados Unidos venceu
no início de agosto uma importante batalha – só que em um front doméstico. Em
meio a um ambiente de tensão e expectativa nos mercados financeiros, o
Congresso americano aprovou a elevação do teto da dívida pública. Dessa forma,
evitou o risco de um calote inédito da maior economia do planeta, o que poderia
provocar uma crise na economia mundial.
O debate que antecedeu a votação no Parlamento também forneceu uma lição de
como a economia depende de decisões políticas. Durante quase um mês, o mundo
ficou praticamente refém dos dois partidos políticos americanos, o
Democrata e o Republicano, que possuem visões antagônicas. Como isso aconteceu?
Dívida pública é o conjunto dos empréstimos que um Estado faz para cobrir
gastos que incluem saúde, obras, aposentadorias e pagamento de credores. A
dívida surge quando o valor arrecadado com impostos não é suficiente para pagar
as despesas. É parecido com o orçamento doméstico: se não temos dinheiro para
fazer uma reforma na casa, podemos pedir emprestado ao banco.
Essas dívidas são contraídas por meio da emissão de títulos públicos. O título
é uma garantia de que o valor investido naquele país – por um banco, uma
empresa, um cidadão ou outro Estado – será ressarcido com juros.
Em algumas circunstâncias, o endividamento pode atingir o patamar previsto no
orçamento. Foi o que aconteceu nos Estados Unidos. Os gastos militares com as guerras
do Iraque e do Afeganistão, somados à crise financeira de 2008,
fizeram com que o limite (US$ 14,3 trilhões ou cerca de R$ 22,2 trilhões),
fosse atingido em 16 de maio. Uma manobra do Executivo permitiu estender esse
prazo-limite para 2 de agosto, mas algo precisava ser feito.
Quem determina o teto de endividamento federal nos Estados Unidos, desde 1917,
é o Congresso. Por isso, democratas e republicanos elaboraram projetos visando
o aumento desse limite.
Caso uma proposta não fosse aprovada até 2 de agosto, os Estados Unidos não
teriam como pagar seus credores, decretando moratória. Seria o primeiro calote
na história americana. O mais grave é que os títulos do país são considerados
os mais seguros do mundo. Quais seriam as conseqüências de um calote do Tesouro
americano?
De acordo com analistas, em primeiro lugar, o país perderia a credibilidade. E
credibilidade é essencial no universo das finanças. Afinal, ninguém emprestaria
dinheiro para um mau pagador.
Agora, imagine se esse mau pagador fosse a nação mais rica do mundo. O calote
afetaria não somente a economia interna, mas a de outros países. O Brasil, por
exemplo, é o quinto maior credor estrangeiro do governo americano (o primeiro é
a China). Poderia haver outra crise econômica como a de três anos atrás.
Política
O impasse surgiu quando as propostas
começaram a ser debatidas no Congresso. Não havia consenso entre os
parlamentares.
Os democratas, que formam a base aliada do governo, são mais liberais, enquanto
os republicanos (que fazem oposição) tendem a ser mais conservadores. Ambos os
lados concordaram que era preciso equilibrar as contas do governo. Mas
divergiam sobre o modo de fazer isso.
Os republicanos queriam que o governo cortasse gastos na área social e eram
contrários ao aumento de impostos. Já os democratas propunham aumentar os
impostos dos mais ricos e reduzir gastos militares, protegendo os programas
sociais.
Em 1º. de agosto, os deputados federais aprovaram um plano bipartidário na
Câmara dos Representantes, por 269 votos a favor e 161 contra. No dia seguinte,
no prazo final, o Senado aprovou a proposta por 74 votos a 26. Até o término da
votação, o clima de incerteza afetou os mercados internacionais.
O acordo prevê que o nível de endividamento seja elevado em até US$ 2,4
trilhões (R$ 3,7 trilhões). Isso será feito em etapas até 2013, evitando novas
disputas no ano que vem, quando ocorrem eleições presidenciais.
Outra medida do plano é o corte de
gastos, no mesmo montante, em dez anos. É, portanto, uma espécie de cheque que
o governo receberá para gastar, mas que terá de pagar no futuro. Os cortes nas
despesas terão ainda que passar pelo Legislativo.
Apesar de a sanção da lei ter evitado uma crise, a imagem dos Estados Unidos
não saiu ilesa da disputa política. E, a despeito do alívio nas bolsas de
valores, os mercados financeiros serão assombrados por uma dúvida: quando virá
o próximo sufoco?
José
Renato Salatiel*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
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