sábado, 22 de maio de 2010

Instituto Butantan - Brasil perde um século de pesquisa

Foi como se uma biblioteca com livros raros ou um museu desaparecessem em meio ao fogo. Na manhã do dia 15 de maio de 2010, em pouco mais de duas horas, um incêndio destruiu milhares de espécimes da Coleção Científica de Serpentes, Aranhas e Escorpiões (Herpetológica e Aracnológica) do Instituto Butantan, localizado na zona oeste de São Paulo.
O galpão destruído pelo fogo continha mais de cem anos de pesquisa em diversas áreas. A coleção era considerada uma verdadeira memória da biodiversidade brasileira. A tragédia, porém, serviu de alerta para a preservação de outros museus de zoologia existentes no país.
A causa do incêndio teria sido um curto-circuito provocado por uma sobrecarga elétrica. Na noite anterior, a chave geral do prédio fora desligada para manutenção e religada de manhã. Os animais estavam mortos e armazenados em potes de vidro, preservados com formol ou álcool. O material inflamável contribuiu para que o fogo se alastrasse rapidamente e destruísse completamente o local.
O acervo de aproximadamente 85 mil exemplares de cobras foi parcialmente destruído. Era a maior coleção de serpentes do mundo. Cerca de 450 mil espécimes de aranhas e escorpiões também foram atingidos pelo fogo. Boa parte do patrimônio, coletado desde o início do século passado, não havia sido descrito pelos biólogos. Ou seja, eram animais que sequer tinham sido classificados. Estavam lá também espécies raras, extintas ou ameaçadas.
Alguns organismos eram os primeiros classificados de sua espécie - os chamados holótipos - e serviam, portanto, de referência para pesquisadores de todo país. Sem a coleção, cientistas perderam anos de pesquisa acadêmica.
O acervo era ainda um registro da colonização do Estado de São Paulo e da geografia do país. As cobras, enviadas por cientistas e pela população rural, estavam catalogadas conforme a região em que tinham sido capturadas. Muitos animais eram provenientes de áreas hoje desmatadas.

História

O Instituto Butantan é um dos maiores centros de pesquisa do país e importante produtor de soros e vacinas. Foi criado pelo médico sanitarista Vital Brazil (1865-1950) e instalado na Fazenda Butantan, localizada às margens do rio Pinheiros. A terra foi comprada pelo governo do Estado em 24 de dezembro de 1899.
Brazil queria fundar um laboratório de pesquisa e produção de vacinas semelhante ao instituto de Louis Pasteur (1822-1895), na França. Na época, o aumento da população urbana e a migração eram acompanhados de surtos de doenças em São Paulo e no Rio de Janeiro. A ciência também havia descoberto a causa de doenças infecciosas e surgiram as vacinas. A peste bubônica, por exemplo, chegou ao país pelo porto de Santos, no litoral paulista, em 1899. Foi esse surto de peste que motivou a abertura da instituição.
Em 1901 foram produzidos os primeiros lotes de soro antiofídico, descoberto por Vital Brazil. O soro é o único medicamento eficaz contra picadas de cobras venenosas e salvou milhares de vidas na zona rural. Após deixar a direção do Butantan, em 1919, o sanitarista fundou o Instituto Vital Brazil, em Niterói, no Rio de Janeiro.
Hoje, o Instituto Butantan é responsável pela produção de vacinas contra a gripe H1N1 no Brasil e desenvolve pesquisas para descobrir a cura para doenças como a Leishmaniose e o mal de Chagas.


Proteção

O prédio onde a coleção do Butantan estava armazenada havia sido construído nos anos de 1960 e não dispunha de sistema automático de combate a incêndio, apenas extintores comuns.
A falta de cuidados com a preservação de acervos científicos ameaça outros museus de zoologia. Segundo especialistas, o Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), que possui um acervo estimado em 10 milhões de exemplares de animais, e o Museu Nacional do Rio de Janeiro (MNRJ) estão em situações semelhantes.
Os curadores do Instituto Butantan chegaram a enviar à Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), em dezembro de 2009, um projeto de melhorias avaliado em R$ 1 milhão. O projeto incluía um sistema de detecção de fumaça, alarme e contenção de incêndio. Não houve tempo para que o processo fosse finalizado pela Fapesp.
Os pesquisadores desconhecem ainda a proporção exata do que foi destruído no incêndio. Os livros de tombo, que possuem todos os registros da coleção desde 1901, foram salvos porque estavam em outro prédio.
Dois dias depois do acidente, estagiários descobriram espécimes da coleção de holótipos intactos em um armário fechado dentro do galpão, assim como parte do acervo de aranhas. Mas como o prédio foi interditado pelo Corpo de Bombeiros, devido ao risco de desabamento, não foi possível fazer um levantamento completo.

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